
Pensata
Rejane Martins Pires
É jornalista e editora da Revista Aldeia.
As mulheres do Rio Uruguai
Publicado em: 11/08/2021
“Viro o mundo pelo avesso e sempre no vem-e-vai
Venho lavar as feridas nas barrancas do Uruguai”
Cenair Maicá
Venho lavar as feridas nas barrancas do Uruguai”
Cenair Maicá
Dia desses fui conhecer a terra onde meus pais passaram a infância e adolescência, no distrito de Boa Esperança, em Concórdia, Oeste de Santa Catarina, às margens do Rio Uruguai. Levei minha mãe de 83 anos e duas tias de 81 e 86 anos. No caminho, pela precária estradinha de chão, e entre um falatório e outro, muitas histórias.
Minha tia Dulce, a de 86, não se conformava. O lugar não era o mesmo. “Está tudo errado”, repetia. “Aqui tinha uma casa. Ali tinha uma tafona. Acolá um pomar”. Detalhe: saíram de lá há 60 anos e nunca mais voltaram. Mas, o mais curioso é que mesmo com a paisagem totalmente modificada, ela soube identificar o carreiro que levava ao rio.
Seguindo o caminho, invadindo propriedades, chegamos às margens do famoso Uruguai. Dava para escutar o coração das três. Pareciam ter voltado ao tempo. Entre as lembranças, as aventuras de atravessar o rio num “caíco” a remo e chegar ao Rio Grande do Sul sãs e salvas. Sim, elas faziam isso rotineiramente. E lá pelos anos 1950.
Não é de se admirar que estas mulheres estão cruzando o século como verdadeiras fortalezas. Superaram desilusões, perdas e privações. Superaram a saudade. Até a força das águas. E o mais nítido de tudo: mantém intacto o rio dentro de si mesmas. Talvez esteja aí o segredo. Todos os dias elas soltam o “caíco” no rio para “lavar” suas mais profundas feridas!